- 21 de jul. de 2021
O Twitter é minha televisão. Eu não tenho televisão de verdade há anos, mais de 10 anos certamente, já faz tanto tempo que nem parece tanto tempo assim. Ficou normal. Os únicos momentos em que eu percebo a influência da TV no mundo (e esmagadora e onipresente influência no Brasil) é quando eu entro no twitter. Se está todo mundo que eu sigo em português falando de um mesmo assunto eu já tenho quase certeza que esta passando na TV. Seja o JN, Fantástico, BBB, o horrendo Sikêra e outras tosquices: tudo coisa que eu só sei que existe por causa do twitter. E não lamento e nem deixo de seguir ninguém por isso, pelo contrário: agradeço.
Por mim TV deixava de existir, mas as pessoas gostam e ela existe. E pior: existe muito ainda, está longe de ser ameaçada por qualquer mídia social. Existe e influencia todo mundo. Como eu não assisto a TV, o meu twitter me diz apenas o suficiente sobre os assuntos, apenas o essencial. Sobre a CPI, sobre as Olímpiadas, Roda Viva, tudo o que é relevante a minha TL, por amostragem estatística e cuidadosa escolha pessoal minha de quem seguir, tudo vai acabar na minha TL em forma de posts curtos e suficientes. Como eu prefiro ler do que assistir audiovisual, pra mim é o formato mais adequado mesmo.
Mas o Twitter também é minha TV no sentido de inifinitos canais por onde eu zapeio e navego nas informações sobre o mundo. Eu sigo mais de 3500 pessoas, minha timeline não para nunca! Sigo gente do Japão, Austrália, EUA, Europa, da Argentina, Bolívia, Chile, artistas, jornalistas, bots, programadores, ativistas, políticos, etc, e etc. Nem todo post de todo mundo me interessa. No Limite é chatíssimo, eu apenas sigo num doomscrolling que está mais para infosurfing, procurando um artigo, um meme, algo que valha a pena e sempre tem, sempre vale.
E agora também graças ao twitter e à sua sempre iminente decadência, eu estou tentando ressuscitar esse blog.
- 25 de mai. de 2021
No sábado dia 22 participei de uma conversa online a convite do Dudu Tsuda. O Dudu apresentou a performance ILHA, a vida é uma utopia, dentro do festival AVXLAB (https://www.youtube.com/watch?v=i2iV-8CjRz8) e me convidou pra integrar essa conversa com outras pessoas, artistas e pensadores. Algumas pessoas eu já conhecia como o Demétrio Portugal http://demetriocultura.net/ (idealizador do AVXLAB), o Lucas Bambozzi http://www.lucasbambozzi.net/ a Patrícia Moran e a Néle Azevedo, e outras não. Participou da conversa também o artista japonês Daisuke, direto do Japão e em outro fuso horário mas ao vivo. A conversa girou em torno das obras de ambos, Daisuke falou sobre uma obra sua que consistia em uma ação coletiva num espaço público, característica que as duas obras tinham em comum. Outra coisa que as obras mantinham proximidade: a discussão sobre a idéia de utopia, e suas possibilidades. Enfim, a conversa foi bastante interessante e acabei não me manifestando, apenas acompanhando meio como audiência embora o espaço para o diálogo estivesse aberto. Depois fiquei pensando sobre os temas e resolvi retomar esse blog com minhas reflexões. Tanto Dudu quanto Daisuke falaram sobre um retorno à natureza, Dudu falou sobre plantar brócolis, couve, Daisuke sobre plantar tomate, beringela. Dudu ecoou o pensamento do Ailton Krenak de trazer o futuro pro presente revivendo modos ancestrais e bem sucedidos de existência.
E foi isso que eu fiquei pensando, essa possibilidade de retomada da idéia de utopia. O Dudu me convidou para esta conversa justamente porque já havíamos conversado sobre essa questão. Minha impressão aqui nestes loucos anos 20 do século XXI é que os artistas forneceram para a sociedade durante muitas décadas todas as possibilidades de distopias que conseguiram imaginar. Talvez por questões de narrativa as distopias sempre pareceram mais atrativas do ponto de vista dramático do que uma utopia, onde tudo já está bem.
Ou talvez nós tenhamos naturalizado a encenação da tragédia justamente porque o sistema social vem se mantendo injusto para a maioria há tanto tempo que isso parece natural. De qualquer modo a ficção científica e a fantasia alimentaram o imaginário distópico da humanidade por décadas. Muitos artistas fizeram isso por motivos narrativos e imagino que poucos gostariam que suas distopias tivessem se realizado. No entanto as piores narrativas distópicas vem sendo realizadas uma por uma pelas corporações tecnológicas e por governos.
Já vivemos dentro de sistemas de controle total sobre as pessoas, sobre seus corpos e seu imaginário e isso acontece independente do sistema econômico ou social: capitalistas e comunistas controlam seus cidadãos usando recursos bem parecidos.
Existe uma estigmatização de classes e raças e uma estratificação social que é impressa e reimpressa no imaginário coletvo diariamente e é quase impossível de ser transposta. Existem até robôs potencialmente inteligentes planejados para fins militares e já em fase avançada de desenvolvimento. Os maiores bilionários atuais geram o seu valor controlando recursos tecnológicos e através destes controlam os recursos sociais, materiais, espaciais, controlam os recursos gerais. E se o recurso corre risco apóiam golpes em nações estrangeiras.
Por tudo isso e tudo o mais é necessário que voltemos a cultivar e espalhar as UTOPIAS. É preciso arrancar a utopia do lugar do impossível: muitos dos impossíveis já estão acontecendo, outros impossíveis melhores precisam entrar no imaginário das pessoas.
Estamos perdendo a capacidade social de imaginar um futuro melhor. As poucas iniciativas neste sentido são invisibilizadas ou estigmatizadas pela mídia corporativa (pense nos movimentos sociais que ocupam lugares abandonados e constróem vida dentro deles e mesmo assim são tratados como criminosos pela mídia corporativa).
Cabe a arte imaginar e deixar para o futuro propostas imaginárias de sociedades melhores. Se não é possível realizar as utopias no presente é preciso ainda ser possível imaginá-las e deixar mundos melhores para o futuro, nem que sejam mundos imaginários. No dia em que for impossível sequer imaginar um outro mundo possível e melhor é porque a arte já não existirá. O humano é essencialmente um ser criativo e enquanto a sociedade humana não for um bom lugar para todXs ainda é preciso continuar imaginando e criando possibilidades de utopias sociais, estéticas e econômicas.
- 3 de out. de 2013
reflexão pós acontecimento dentro do http://www.foradeeixo.org/propostas-selecionadas.html
O artesão conta com seu saber de ontem. O artista tem que se colocar em encrenca todo dia. Odyr Bernardi https://twitter.com/odyrbernardi/status/382923727815450624
No caminho da pesquisa em criação é comum surgirem novos interesses a partir de uma experiência bem sucedida. O artista segue sua sensibilidade e sua intuição e escolhe bifurcações muitas vezes com consequências pouco claras. Diante dessas escolhas seu caminho por vezes leva a um beco sem saída e ele é obrigado a rever suas opções. Ou apenas a aceitar que errou e incorporar mais esta experiência ao seu repertório de fracassos. E o que faz um artista pesquisador quando o projeto não funciona? Qual o procedimento do artista quando, diante de um trabalho inédito durante uma pesquisa de materiais a obra não acontece do modo idealmente planejado? E o que fazer quando isso se passa durante um festival e essa bela idéia aprovada por uma curadoria que depositou uma confiança supreendente na ação proposta? Este pequeno texto se propõe a fazer uma reflexão autocrítica sobre uma intervenção idealizada de uma maneira e realizada de outra a meu próprio ver, inferior à expectativa lançada.
O PROJETO
A idéia deste projeto partiu da bem sucedida experiência durante a Virada Cultural 2013, em São Paulo. Durante 4 meses em 2011 dobrei 1000 passarinhos de origami, o tradicional tsuru. Foram todos dobrados com papéis já impressos com outros fins como folhetos entregues na rua, folders recolhidos em diversas instituições culturais como SESC, Itaucultural, etc. Era uma performance/ação de médio prazo compartilhada na internet conforme acontecia seu desenvolvimento. A proposta inicial foi apenas realizar um ritual de autotransformação. Eu não tinha nenhuma idéia do que faria quando terminasse de dobrar os 1000 tsurus mas uma vez concluída a performance me veio a idéia de suspender as 1000 dobraduras usando balões de hélio na forma de um dragão flutuante. Esse projeto foi apresentado sem sucesso a algumas instituições como o SESC e a Virada Cultural. O ano de 2012 na cultura chinesa foi o Ano do Dragão e poeticamente fazia sentido realizar o projeto durante esse ano. Isso não aconteceu e o ano findou infrutífero para este projeto. Em 2013 retomei a idéia pois precisava concluir o processo dos 1000 tsurus e reapresentei o projeto à Virada Cultural de 2013. Tive sorte pois com a troca de administração novamente a Virada Cultural teve verbas para uma exposição de Artes. O trabalho, agora na forma de uma pessoa feita com os 1000 tsurus, foi selecionado pela curadoria e sua apresentação foi bem sucedida. Passeamos, eu, a equipe e a Pessoa de 1000 Tsurus por dois dias em meio à multidão maravilhada com o boneco flutuante. Esse sucesso me fez ficar empolgado com as possibilidades da combinação origamis + balões de hélio e apresentei ao Festival Fora d@ Eixo uma proposta que nascia diretamente da experiência bem sucedida na Virada. A proposta agora era suspender uma água viva de origami de um metro e meio de diâmetro com um balão levantando-a por baixo. O objeto luminoso suspenso flutuaria sobre as pessoas, preso por uma fita, um grande objeto de estimação de origami flutuante passeando ao ar livre.
A PRÁTICA Na prática o projeto não aconteceu da maneira planejada. Diversos erros de avaliação fizeram com que o trabalho não funcionasse. Após uma tarde inteira me debatendo com o fracasso iminente tive que alterar o plano proposto ao festival. No primeiro dia consegui apresentar timidamente um dragão de origami luminoso de quase um metro, suspenso com balões. Este objeto modesto deu um pequeno passeio levado por mim pelo campus quase deserto da UnB, de noite. No ouitro dia refiz meus planos e me reaproximei da idéia original. Consegui enfim apresentar uma água viva flutuante e luminosa. Porém bem menor, com cerca de setenta centímetros de diâmetro. Ela ficou algumas horas comigo passeando em frente ao Museu Nacional da República no outro dia. Quando anoiteceu e sua luz artificial foi revelada o objeto foi liberado do seu cabresto e seguiu livre pelo céu de Brasília, flutuando e levado pelo vento intenso da Capital Federal. Porém não fiquei satisfeito com o resultado. Tampouco a curadoria. Mas houve um momento em que o trabalho poderia ter se encaminhado para o rumo certo. Em algum momento eu poderia ter tomado outras decisões, ainda no primeiro dia. Esse erro custou a credibilidade do projeto e certamente afetou minha reputação como artista junto à curadoria do festival.
O erro técnico que eu cometi foi não calcular que o peso da água viva de origami sobre o balão o faria explodir. Um quilo e meio de papel espalhados sobre um balão e bum. O balão teria que ser mais resistente e maior. Ao invés de tentar suspender com apenas um balão embaixo eu poderia ter, ainda no primeiro dia, feito vários e suspenso por cima mesmo. Teria admitido uma pequena falha porém realizado algo bem próximo o proposto ainda no primeiro dia. Fiz três águas vivas para o caso de alguma dar errado: duas de papel neutro 80g/m³ e uma de papel vegetal, 40g/cm³, bem mais leve. A de papel vegetal praticamente se desfez, rasgando em vários lugares depois de dobrada, durante o processo de montagem. A de papel neutro tinha 1,1Kg e explodiu dois balões grandes levando embora quase metade do caro gás hélio comprado para a montagem. Percebi que não conseguiria executar o planejado e a solução no primeiro dia foi modesta. No segundo dia dIminui o peso cortando o papel da água viva original por quatro e suspendi a nova água viva com 6 balões, por cima. O que até funcionou bem. O que não contribuiu muito foi a imensa quantidade de vento que tem no Distrito Federal e a pouca corda que eu queria usar, para que ele não virasse uma pipa. Queria que ele se tornasse uma espécie de animal de estimação flutuante e surreal. O vento arrastava o bicho para o chão de tempos em tempos, quando soprava mais forte. Mesmo assim algumas boas imagens foram feitas por mim e deve ter outras melhores feitas pelo Elson, registro em vídeo do festival.
Por outro lado, ainda durante o festival eu pensava cá comigo: não seria também função de um festival de artes e intervenções urbanas apoiar o artista e suas experiências mesmo quando elas se mostram equivocadas? Acreditar na honestidade criativa de um artista e de suas pesquisas? Incentivar seus projetos mesmo quando eles terminam em erros? Pensar mais em termos de valorizar o processo e menos em termos de apenas apreciar o produto?
Talvez o fato da arte brasileira encontrar-se muitas vezes tão intensamente dependente do meio acadêmico e de suas tradicões e critérios científicos crie um ambiente excessivamente viciado nas certezas e muito pouco afeito ao risco. O risco em arte, quando existe, é apenas o risco esperado: a falha de um equipamento eletro-eletrônico, uma manifestação pública hostil que é incorporada como elemento poético, a intervenção eventualmente violenta do aparato de repressão do Estado em alguma intervenção mais crítica.
Mas e o risco da criação? Este não é legítimo? Se o artista não tem direito de errar, parem tudo, fechem os Institutos de Arte e renomeiem todos como: Institutos de Criação Científica. Pois se há alguém que pode errar, este é o artista. O artista, este pesquisador da criação. E a criação, que o diga a própria ciência, nasce da mutação. Ou seja, do erro.
O meu trabalho ficou, admito, medíocre. Mas o meu erro foi lindo. Pois foi legítimo. Eu, artista, assumo os riscos das minhas pesquisas. E agradeço a experiência de erro que o Festival Fora d@ Eixo me proporcionou.
Enfim, foi isso.
Daniel Seda, 2013

